quinta-feira, 5 de março de 2009

FORUM "Antropologizar a política portuguesa"

O antropólogo moçambicano Emídio Gune (de quem tive o gosto de ser professor, de ter como meu assistente na Universidade Eduardo Mondlane e que tem disponível on-line este interessante artigo) chamou a atenção, na caixa de comentários ao post anterior, para a vantagem ética e científica de aplicarmos aos fenómenos políticos nos países europeus, incluindo Portugal, o mesmo olhar analítico com que escrutinamos os países que, vistos daqui, parecem mais "exóticos".

O comentário torna-se ainda mais pertinente pelo facto de uma importante utilidade social da antropologia ser (para além da mais evidente possibilidade de entendermos lógicas e práticas sociais que consideramos diferentes) a capacidade de deixarmos de ver como "natural" aquilo que nos é mais familiar, questionando-o.

O aprofundamento deste aspecto e a discussão da legitimidade de fazer antropologia "à porta de casa" está disponível neste texto, para quem quiser.

Textos base para discussão é que já é mais difícil encontrar. Nem eu os posso prometer nos tempos mais próximos, pois o meu projecto de pesquisa sobre "A Esquerda Portuguesa e o Muro" ainda mal começou a balbuciar.
Mas, seguindo a sugestão do próprio Emídio Gune, talvez este conjunto de posts do meu blog mais velhinho (e particularmente este) sejam um bom ponto de partida.

Vamos debater?
Vamos levantar mais exemplos?

2 comentários:

Anónimo disse...

Se o olhar da antropologia é fundamental para a compreensão do político em Pt, também olhar a política portuguesa é "útil" para os antropólogos, para os fazer saltar dos muros (confortáveis) da academia e do círculo fechado dos debates entre cientistas sociais que, raramente - no caso dos antropólogos, mutíssimo raramente - passam para o domínio chamado público. Aqui, a antropologia continua a ser identificada (e será só pelo senso comum?) com o estudo dos "costumes exóticos de povos longínquos" * - ocorre-me um famoso cartoon que ilustra ironicamente esta visão - e todas as contribuições que a antropologia e a etnografia portuguesas - e estou a lembrar-me de muitas ** - têm dado para a análise e compreensão dos fenómenos sociais actuais, "dentro de portas" e até debaixo dos nossos narizes, continuam maiorititariamente anónimas e desconhecidas. A "culpa" é nossa...? Penso que sim. E que não (só) também :-)

Existem inúmeros terrenos onde a investigação antropológica poderia fazer a diferença na forma de olhar, analisar, compreender e representar o pt actual - local e transnacional. O conjunto de posts mencionados, que compara situações entre Portugal e Moçambique, dá uma ideia de quanto amplo é este terreno.

Cristina Moreno (estudante da licenciatura em Antropologia na FCSH).

* este debate é um pouco "requentado", mas como a questão permanece actual...

** Susana Durão e a etnografia da polícia em Lisboa; Antónia Pedroso Lima e as grandes famílias e as grandes empresas; Graça Cordeiro e as sociabilidades urbanas; Paula Godinho e as transformações nos meios rurais; etc, etc... muitas, muitas mais. Acho que estou a ser muito parcial e hesitei em particularizar, mas penso que é importante exemplificar.

(Paulo Granjo) disse...

Obrigado por abrir as hostilidades, Cristina.

Enquanto pioneiro da antropologia industrial e do trabalho em Portugal, não posso deixar de partilhar as suas preocupações.
Deixe-me, entretanto, acrescentar alguns aspectos, até para debate:

- Se a lista de contribuições de antropólogos para a análise questões actuais e importantes da sociedade portuguesa já é, felizmente, bastante mais vasta do que os exemplos que refere, a sua pouca visibilidade pública só muito excepcionalmente se deverá a um deliberado enclausuramento dos autores numa torre de marfim académica.
Por exemplo, os meus trabalhos sobre a refinaria de Sines só recolhem um fugaz interesse público (e por parte da própria empresa) quando há algum acidente mediatizado, quando a sua utilidade seria, pelo contrário, evitar muitos deles - mas através de alterações que poriam em causa os hábitos dominantes.
E, mesmo estando você a estudar antropologia, muito provavelmente nunca tinha ouvido falar de mim - e menos ainda do meu trabalho, apesar do reconhecimento científico que obteve e da relevância social que me parece ter.

- Parte dessa falta de visibilidade social do trabalho dos antropólogos acerca de temas portugueses actuais poderá ter a ver com o facto de, para a reprodução dessa imagem que refere (de estudiosos de exóticos, minorias, desgraçadinhos, rurais ou 'vanishing worlds'), contribuirem os antropólogos que se dedicam a esses temas mais habituais há 20 anos atrás e que, compreensivelmente, os valorizam (por vezes, como se só os seus temas e terrenos fossem 'the real thing').
Mas uma parte, talvez mais importante, do problema decorre quer das agendas noticiosas (e incapacidade para as influenciar), quer do facto de os bons estudos antropológicos sobre temas actuais relevantes costumarem pôr em causa os pressupostos, hábitos e interesses instalados. São por isso publicamente ignorados até já não o poderem ser (o que raramente acontece).

- Mesmo se provocam o efeito de sentido que referi, os estudos de temas mais exotico-desgraçadinhos (ou mesmo de assuntos cuja relevância social ou mesmo científica é muito difícil de descortinar) são tão legítimos como os estudos dos mais candentes e relevantes temas actuais.
Por um lado, porque a ciência e o debate científico não avançam apenas com base na sua utilidade prática. Por outro, porque do estudo de temas que 'não interessam nem ao menino Jesus' podem resultar questionamentos e teorizações muito pertinentes para o estudo de temas socialmente relevantes.
Há lugar para todos e, mesmo com guerras de capelinhas à mistura, a diversidade é uma força na antropologia, não uma limitação.

- A maior prova de que uma coisa pode ser feita é, de facto, fazê-la. Mas limitar-se a fazer, evitando as questões epistemológicas desconfortáveis suscitadas por essa prática, é uma atitude facilitista, numa disciplina que se represente a si própria como científica.
Daí a minha necessidade, há uns 9 anos atrás, de escrever o texto sobre "antropologia à porta de casa" que linkei no post, embora muita gente já a tivesse praticado antes de mim.

Posto isto, peço que nos centremos nos materiais propostos para este forum.